Del colega Avritzer, de hace unos días
O que as manifestações no Brasil nos dizem?
Leonardo Avritzer
O
Brasil foi despertado de um certo torpor anti-político por meio de um conjunto
de manifestações públicas que tomaram as ruas das principais cidades
brasileiras na última semana. Duramente reprimidas, especialmente, na cidade de
São Paulo, estas manifestações foram classificadas com desordem ou baderna por
um conjunto de políticos e meios de comunicação, nos lembrando da Inglaterra no
século XIX ou do Brasil antes da nossa democratização recente. Nada de surpreendente
até ai. No entanto, a questão que se coloca é: qual é o significado destas
manifestações? Na minha opinião elas são um sinal de que as políticas inclusivas
e participativas do governo federal chegaram a um limite e é necessário ampliá-las
e estendê-las para a área de infra-estrutura. O transporte público é apenas uma
questão cujo impacto pode ser ou não passageiro.
Antes
de abordar esta questão eu gostaria de mostrar como eu vejo os avanços na
questão da inclusão e da participação nos útimos 10 anos. Eu me encontro entre
aqueles que acham que existiram fortes avanços na inclusão social e na participação
no Brasil nos últimos anos. O bolsa família e os fortes aumentos do salário
mínimo foram importantes na criação de um processo de mobilidade social que não
devemos subestimar. O Brasil é um dos países onde a pobreza mais diminuiu e onde
o crescimento econômico dos últimos anos teve um dos maiores impactos
distributivos. Ao mesmo tempo, as conferências nacionais do governo Lula continuadas
pelo atual governo envolveram quase 6 milhões de pessoas e criaram um canal
real de comunicação entre a sociedade civil e o estado. Mas, estas políticas ou
se esgotaram ou alcançaram um patamar de estabilidade desde 2010. A inclusão de
novos grupos na assim chamada nova classe média estagnou e com ela um certo
aumento na capacidade de consumo. Ao mesmo tempo, a inclusão de novos grupos
sociais gerou fortes problemas na infra-estrutura e na oferta de bens públicos
criando gargalos que hoje estão sendo enfrentados pelo governo. E ai aparece uma característica do atual
governo que é preciso apontar: a pouquíssima disposição para a negociação em
questões econômicas e de infra-estrutura.
É
possível afirmar que a previsão de qualquer fenômeno é muito difícil nas ciências sociais. Ainda asssim, é
possível afirmar que estas manifestações que varreram o Brasil na última semana
foram anunciadas por um conjunto de conflitos que ocorreram no país nos últimos
12 meses, a saber: as manifestações e as ações da sociedade civil contra a
construção de Belo Monte; a forma anti-social como as principais obras para a
Copa do Mundo estão sendo conduzidas com remoções forçadas e ao arrepio da lei
em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro entre outras cidades. A repressão de diversas
manifestações da juventude nas capitais e o assassinato de indígenas na
desocupação de terras pela polícia militar no estado do Mato Grosso do Sul.
Estes conflitos podem ser considerados o pano de fundo que está por trás destas
manifestações: a falta de uma concepção de participação da sociedade civil e
dos movimentos sociais na área da infra-estrutura. Vale a pena entender melhor
porque a sociedade civil brasileira tem tão pouca participação nesta área.
A
participação da sociedade civil e dos movimentos sociais no Brasil foi forjada
durante as lutas pela re-democratização do país. Durante este periodo, a
sociedade civil brasileira reivindicou a participação em diversas políticas
públicas entre as quais valeria a pena destacar a saúde, a participação e as políticas
urbanas. Todas estas áreas se tornaram fortemente participativas como resultado
das decisões tomadas durante a Asembleia Nacional Constituinte. Mas, aqui
caberia a pergunta:´porque é que não houve a reinvidicação de participação na
área de infra-estrutura? A resposta é simples: porque o Brasil viveu um apagão
estrutural nesta área nos anos 80 e 90. Apenas nos últimos anos o Brasil voltou
a investir em infra-estrutura e esta é a questão que se coloca hoje: ela tem se
tornado o centro das políticas tanto do governo federal quanto de diversos
governos municipais. Mas, quando pensamos a concepção de construção de infra-estrutura
que existe hoje no país ela é completamente anti-social. Alguns exemplos podem
ajudar a esclarecer a questão: a construção do canteiro de obras de Belo Monte,
por uma conhecida empreitera, foi feita em padrões que lembram os anos 70 e
acabaram gerando greves e manifestações. A maneira como certas cidades
brasileiras entre as quais vale a pena destacar o Rio de Janeiro e Belo
Horizonte estão construíndo a infra-estrutura para a Copa do Mundo nega os
direitos mínimos da população consagrados pelo Estatuto das Cidades. Ou seja, o
Brasil está construindo infra-estrutura urbana de forma absolutamente anti-social
e este é o pano de fundo das manifestações que varreram as capitais brasileiras
nas últimas semanas.
Uma vez
esclarecidos todos os pressupostos acima, cabe analisar o que é o movimento do
passe livre e as suas reivindicações. Na minha opinião, a reivindicação do
passe livre é um horiznte normativo desejável, mas impossível de ser efetivado
pelas prefeituras neste momento. Mas, uma vez dito isto, cabe apontar que muito
há a ser feito na área de transporte público no Brasil neste momento. Nosso
país adotou um pacote pós crise de 2008 que tinha um elemento central que foi a
redução de impostos para veiculos automotores. Esta política não se coordenou
com nenhuma política pública na área de transporte público. O número de carros
nas cidades brasileiras aumentou enormemente, as condições daqueles que usam o
transporte público pioraram e parte do aumento de custos nesta área está ligado
ao aumento do número de carros que diminuiu a velocidade do transporte público
urbano. Portanto, há sim uma agenda para melhorar as condições e o custo do
transporte público e esta agenda deve ser abraçada pelo governo federal e pelas
prefeituras dos diferentes partidos. O Brasil mais uma vez encontra-se em uma
encruzilhada sobre como ele vai se apresentar ao mundo nos proximos 12 meses
nos quais as atenções estarão voltadas para o país: ele pode se apresentar como
o país que entende os seus problemas sociais e o seu pesado legado mas está
tentando resolvê-los ou como o país que continua marcado por uma política
centenária de exclusão cujo fim ainda não se encontra claro. Está nas mãos de Dilma
Rousseff, Fernando Hadadd, Sergio Cabral entre outros definir a maneira através
da qual o Brasil irá se apresentar ao mundo.
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