http://www.constitucionalismoedemocracia.blogspot.com.br/2013/06/direito-ao-protesto-promessa-e.html
(Direito ao) protesto: promessa e compromisso com
o primeiro direito
Partindo do pressuposto de que a democracia é um
constante processo de reinvenção de direitos e o conflito não pode jamais ser
erradicado da sociedade (Claude Lefort), como encarar esses conflitos pela
redução da passagem de ônibus; contra a truculência da polícia; contra a
corrupção; pela efetivação de direitos sistematicamente negados, etc.?
É, sobretudo, com atos e movimentos de protesto que esses conflitos
constitutivos do sistema constitucional-democrático são exibidos e exacerbados.
Dessa forma, protestos, manifestações,
ganham importância, pois em geral são os sintomas mais claros de violação de
direitos fundamentais e (ou) a única forma encontrada para se fazer ouvir num
processo democrático que é surdo aos gritos dos sujeitos que têm seus direitos
sistematicamente negados, violados e, em geral, também são privados de
condições mínimas e dignas de existência.
Os direitos nas sociedades contemporâneas, especialmente, no século vinte e
um se associam a demandas que se singularizam nas pessoas, individual ou
coletivamente, e que são, na mesma medida, urgentes. Assim, é o próprio direito
ao protesto. O seu exercício envolve, ao mesmo tempo e com igual importância, a
liberdade de expressão e convicção, a liberdade de reunião e manifestação, a
igualdade de respeito e consideração, a igualdade de participação, etc . Não
importa o gênero, a cor, a orientação sexual, ou qualquer outra diferença,
todos têm o direito de protestar e suas demandas devem ser levadas a sério.
Em junho de 2013, vimos os atos contra o aumento das passagens de ônibus se
expressarem também na forma de protestos e, novamente, como crítica que se
amplia, inclusive, para além do aumento da tarifa de ônibus – são protestos por
direitos: por um transporte público de qualidade, pela possibilidade de livre
reunião e manifestação, contra um sistema institucional e representativo que
cada vez mais se distancia das pessoas e de suas necessidades.
A Constituição Republicana de 1988, em seu artigo 5o, caput e
nos desdobramentos deste artigo, ao longo da sua narrativa, prescreve que todos
devem ser tratados como iguais, independentemente de qualquer distinção.
Prescreve, ainda, a vedação de qualquer tratamento desumano ou degradante, como
também a redução das desigualdades, a erradicação da pobreza e da
marginalização tendo como fundamento o Estado democrático de Direito.
Entretanto, não basta prometer, é preciso se comprometer e o tempo do
comprometimento ou do compromisso é o tempo presente, o tempo da ação. Ou seja,
a Constituição como narrativa do
constitucionalismo e da democracia promete e compromete, vincula passado,
presente e futuro e o descumprimento dessas promessas e compromissos – estes
traduzidos nos direitos fundamentais – pode originar (sempre e novamente)
movimentos de protesto e resistência.
Os protestos são verdadeiras janelas para a manifestação da democracia,
para mostrar que é somente no dissenso que a democracia é verdadeiramente
construída e operada.
Apesar da promessa constitucional de tratar a
todos como iguais, grupos amplos da nossa sociedade sofrem graves e
sistemáticos maus-tratos – o transporte público de péssima qualidade, lento,
sempre atrasado, lotado e com uma tarifa que pesa no bolso do brasileiro é um
exemplo disso. Essa situação, para ficarmos apenas com
ela, os leva a viver em condições muito piores do que as do restante (uma
minoria) da população e quase sempre por razões completamente alheias às suas
responsabilidades. Se o Direito
pretende honrar a promessa de tratar a todos como iguais, deve assegurar então
àqueles que hoje são excluídos um tratamento mais atencioso. Enquanto
isso não acontece, o Direito deve dar especial proteção aos que reclamam por
ser tratados como iguais e deve, portanto, proteger e não calar os protestos. Daí a afirmação de Roberto Gargarella de que
o direito ao protesto aparece, assim, como o “primeiro direito” – o direito de
exigir a recuperação dos demais direitos.
Portanto, protestar não é simplesmente um ato juvenil, de rebeldia -com o que o
senso comum geralmente o identifica- mas, conforme dissemos anteriormente, o
exercício de um direito fundamental, o primeiro direito.
O direito ao protesto renova o compromisso democrático constitucional na
articulação entre o livre pensar, a participação aberta a quem queira se
expressar e das mais diversas formas, agregando, assim, os iguais nas suas
diferenças, construindo caminhos, através de pontes ou consensos provisórios,
na medida em que é no dissenso que a democracia e o constitucionalismo
constituem uma verdadeira comunidade que a todo tempo questiona a sua própria
identidade e por isso sempre em transformação. Poderíamos dizer que o direito ao protesto reforça o sentido de
autogoverno, na medida da participação dos cidadãos na tomada das decisões que
lhes afetam; ser, de fato, sujeito das suas próprias decisões políticas e
econômicas. Como sugere Gargarella, “os cidadãos devem ter a
possibilidade efetiva de refletir coletivamente sobre os assuntos mais
econômicos mais cruciais de sua comunidade. Um bom sistema institucional deve
favorecer tal discussão ao invés de permitir que ela seja remotamente
possível”.
Em casos como os de bloqueios de ruas e ocupações
de praças deve-se levar mais a sério o peso de um direito como o da liberdade
de expressão. É certo que o exercício de um direito não
pode importar na supressão de outro, mas é importante levar em conta que a
liberdade de expressão é um dos primeiros e mais importantes fundamentos da
estrutura democrática. Vale ressaltar
que são as ruas, os parques e as praças os lugares especialmente privilegiados
para a expressão pública da cidadania. Apesar das manifestações públicas
causarem quase sempre algum tipo de moléstia (sujeira nas ruas pela
distribuição de panfletos, lentidão ao trânsito de veículos etc.) elas devem
ser toleradas em honra à liberdade de expressão (e tais moléstias devem ainda
ser contornadas pelas autoridades públicas que devem manter as ruas limpas e
organizar o trânsito). Em que pese os incômodos gerados pelos protestos,
eles são uma forma privilegiada de expressão e devem sempre ter seu conteúdo,
suas ideias resguardados. É claro que
os delitos que algumas vezes se cometem nesses atos de protesto (como a
eventual quebra de patrimônio público, por exemplo) devem ser
responsabilizados. Mas esses excessos não podem impedir a continuação das
expressões públicas de cidadania, especialmente porque muitas vezes, quase
sempre, as motivações dos protestos decorrem do descumprimento do Estado com
suas próprias obrigações constitucionais. Vale dizer, antes de se
criticar e condenar aqueles que protestam, é preciso, pois, direcionar as
críticas às autoridades que deixaram de cumprir com as suas obrigações.
É preciso ressaltar, ainda, as dificuldades (formais e materiais) que a
maioria dos grupos que realizam protestos tem para se expressar. Muitas
parcelas da sociedade encontram graves dificuldades para tornar audíveis suas
vozes e se fazerem escutar pelo poder político. Os atos de protesto, a exemplo dos bloqueios de ruas, mostram uma
desesperada necessidade de tornar visíveis situações extremas que,
aparentemente, e de outro modo, não alcançariam visibilidade pública.
Daí a afirmação de Gargarella de que “é preocupante que um sistema democrático
conviva com situações de miséria, mas é catastrófico que tais situações não
possam traduzir-se em demandas diretas sobre o poder público”.
Em situações de protesto como os bloqueio de ruas
há sempre a arguição de conflito entre direitos – o direito de os protestantes
se manifestarem bloqueando as ruas e o direito dos cidadãos de circularem
livremente. Diante disso, há quem defenda que o
alcance dos direitos constitucionais se estabelece à luz de certos interesses
coletivos como “o bem comum”; o “bem estar geral”; o “interesse nacional” etc.
Os direitos, nesse caso, não possuem uma força moral intrínseca e parecem
dependentes de valores externos a eles. Aqueles que aderem a essa posição,
especialmente Delegados e Juízes, em geral começam seus raciocínios e decisões
com ideias tais como “não existem
direitos ilimitados”, ou “o direito de cada um termina onde começa o do outro”.
Afirmações como essas têm muito pouco conteúdo informativo e ainda menos
conteúdo prescritivo. Essas frases postas simplesmente dessa maneira
efetivamente não dizem nada, mas são muitas vezes utilizadas como argumento ou
fundamentação final da decisão. Tais expressões deveriam ser apenas o
início de um raciocínio a ser desenvolvido detalhadamente. No entanto, têm sido
utilizadas como a única e fundamental premissa para a resolução do caso. Sem que os juízes digam qual é o limite do
direito rechaçado, o que fazer após a descoberta desse limite e por quais
razões referido direito foi afastado eles nada terão dito, mas apenas decidido
de forma superficial, rasa e infundada.
Essa postura nada diz sobre como enfrentar o conflito de direitos no caso
concreto. Nesse sentido, decidir com base na ideia de que “nenhum direito é
ilimitado” ou que “se deve honrar o bem comum” é interromper e pôr fim a uma
manifestação ou preservar o conteúdo da denúncia feita sob forma de protesto? A
pergunta apenas evidencia como as autoridades podem explorar a ambiguidade dos
termos para impor decisões arbitrárias. Tampouco a disputa pela definição do
conteúdo dessas noções oferece alguma resposta. Ainda que houvesse um consenso
sobre o sentido e o conteúdo dessas noções, tal postura negaria a possibilidade
razoável de estabelecer mudanças nas convicções morais e nos costumes
tradicionais da comunidade.
Em casos de protestos que se realizam por meio do
bloqueio de ruas há um conflito que envolve diversos direitos como o de
liberdade de expressão, o direito de peticionar às autoridades, o de circular
livremente, de ter as ruas limpas etc. Nesse tipo de situação, devemos defender a preservação e sobreposição dos
direitos ligados e mais próximos ao núcleo democrático da Constituição. Ou
seja, se há dezenas de direitos em jogo, como comumente acontece em situações
de protesto e bloqueios de estradas, deve-se fazer o máximo esforço para
preservar os direitos mais intimamente ligados ao núcleo duro da Constituição,
isto é a liberdade e a igualdade e seus desdobramentos. E esse núcleo duro deve
ser compreendido, em última análise, como as regras básicas do jogo
democrático. Nesse núcleo duro, direitos como os vinculados à liberdade de
expressão ocupam então um lugar central.
Ou seja, os direitos ligados ao núcleo democrático da Constituição – e que
não precisam necessariamente estar enumerados - (artigos, 1o,
2o, 3o,4o, 5o, 6o e 7o
e seus desdobramentos), também concebidos como trunfos, são pensados não como
uma categoria dependente de outra (como o bem comum, por exemplo), mas como
normas invioláveis e oponíveis contra qualquer sujeito, grupo e contra o
próprio Estado. É a partir desse compromisso que se sustenta o valor do sistema
de procedimentos democráticos.
Por tudo isso, aos grupos que protestam hoje pela
redução das tarifas de ônibus e que são brutalmente reprimidos por meio do uso
de uma força desproporcional e violenta por parte do Estado, reafirmamos nosso
compromisso com a democracia, com os direitos fundamentais e, portanto, com o
direito de protestar: não podemos ser indiferentes.
Vera Karam de Chueiri
(Professora Associada de Direito Constitucional dos Programas de Graduação
e Pós-graduação em Direito da UFPR. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa
Constitucionalismo e Democracia. Vice-diretora da Faculdade de Direito)
Miguel Gualano de Godoy
(Bacharel, Mestre e Doutorando em Direito Constitucional pela UFPR.
Pesquisador do Núcleo Constitucionalismo e Democracia)
6 comentarios:
Roberto, impresionante la actitud policial respecto de los manifestantes. Se niegan a reprimir y se sientan con ellos. Una parte del video aqui: http://www.youtube.com/watch?v=nRREc6vsBac&feature=youtu.be
Saludos, LucasG.
buenisimo, no lo habia visto
Quién hubiera dicho nos íbamos a acaramelar con guardianes del Orden. Vieron, todo rati es bueno pero si está relativamente sobrepasado más.
Javiers Von Liniers
otra sobre brasil http://www.lanacion.com.ar/1594420-justicia-cristina-no-esta-sola
y sobre la popularizacion de la justicia
Interesante el posicionamiento público que asumió Dilma ante el fenómeno de protesta. Hay que mirar muy de cerca lo que sucede allí.
Igualito que acá con los Campora desalojando a los Qom de Plaza de Mayo entre gallos y medianoche. Ni que hablar de las muertes en Formosa a manos de Insfran.
De acuerdo, Anónimo 1.40.
Pero también es palmario que motivos les sobran para animar "protestos" de cariz más acorde a la época que vivimos, en vez de escenificar un previsible y por ello gobernable desfile de modas insurreccional a la global, y sin embargo no lo hacen.
Revelando una vez más la habitual frivolidad de masas antipolítica -que ellos denominan "acuerdismo"- yendo a quemar edificios gubernamentales pero dejando "na santa paz" a las reales casas grandes e senzalas, o sea, sin cuestionar su régimen de leadership más (mano)duramente sustentado que sólido.
"En Buenos Aires se ve"
"que enquanto houver burguesía
nao vai haber poesia, nao..."
JvL
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